sábado, 6 de março de 2010

REVISTA PILARES DA HISTÓRIA

O senhor Valdemiro Baiano, filho de Xangô e Ogum, foi o último zelador de santo entrevistado por nós nesse trabalho. Nascido em 13 de dezembro de 1928, tem 74 anos de idade. Nascido na Bahia, veio para o Rio de Janeiro em busca de trabalho ainda na década de 30. Tem 59 anos de santo feito com senhor Cristóvão Lopes dos Anjos da nação Efon; e fez todas as obrigações de Kêtu com mãe Menininha do Gantois. Iniciou falando sobre a razão que o levou a mudar de nação no candomblé. Segundo ele:
“Efon é desse tamanhinho assim, não quis se
expandir. Eu tenho cabeça de expandir, de crescer”.
Questionamos com ele essa prática de mudar de uma nação para outra sem hesitar, e nos falou que isso é perfeitamente normal. Se você não está satisfeito, deve e pode mudar, finalizou. Sobre sua roça no Parque Fluminense, diz que foi fundada há aproximadamente 50 anos, e está para ser tombada como patrimônio histórico, situando-se na rua Moacir Almeida, no Parque Fluminense em Duque de Caxias. Quando perguntamos a ele por que uma nação como a Kêtu se expandiu tanto e outra como a Efon continuou tão pequena, relatou que é a forma que as levaram a essa situação. Disse:
“Efon é pequenininha, não desenvolveu muito,
guardam muito escondidinho, muitos não faziam, eu estou
fazendo aqui. Não dialogavam. Não abriam pra ninguém,
morriam e levavam. Hoje ainda tem gente que morre e leva”.

Segundo ele Sr. Valdemiro de Xango, esse é um problema, e que se continuar assim, vão acabar fechando, pois a nação vai minguando até acabar. O senhor Valdemiro fez santo com 15 anos de idade, hoje esse senhor tem filhos de santo espalhados em vários estados do Brasil, como Ceará, Paraná, Bahia, São Paulo e no Rio de Janeiro, vive constantemente em viagens dando assistência aos diversos filhos espalhados pelo Brasil. Ele é um zelador tão preparado que é requisitado para colocar axé nos terreiros de seus filhos e amigos. Nessa oportunidade, falamos sobre um problema sério no candomblé que os zeladores anteriormente citados nessa obra também falaram: a questão dos sacerdotes imaturos, despreparados, mas que insistiam em abrir suas casas? Ele foi claro quando disse que esses zeladores pagam caro por essas precipitações. Segundo ele, quem nos escolhe é o orixá, nós devemos seguir o chamado do orixá. Quando perguntamos sobre o que pensa do candomblé na Baixada Fluminense, nos disse assim:
“O que eu acho muito no candomblé é a desunião,
um só quer derrubar o outro. Um quer sempre mais do que outro,
o candomblé muito desunido. O protestantismo é mais unido, o
candomblé mede força. Dificilmente você encontra uma pessoa
igual a mim que diz Kitala é minha mais velha. Se você perguntar
quem é Kitala, eu digo é minha irmã, minha Ebomy”.

Segundo ele(Sr Valdemiro de Xango) , os protestantes são mais organizados politicamente. O candomblé está sempre por baixo, mas ressaltou que essa desunião é hereditária no candomblé, vem da África. Já as nações mediam forças entre si e isso é próprio do candomblé, nós podemos melhorar, mas não tem como acabar com isso. Sobre a nação Efon, nos disse que está preparando sua casa na Bahia e pretende trabalhar por ela. Ainda sobre o candomblé na Baixada Fluminense, o senhor Valdemiro nos disse que desde que chegou ao Rio abriu três casas no Estado. A primeira na cidade Rio de Janeiro, a segunda na Chacrinha, em Caxias, e essa atual no Parque Fluminense, que está aberta há aproximadamente 50 anos. Segundo ele, desde que chegou a Baixada Fluminense abriram várias casas. Ele fez questão de mencionar os primeiros zeladores de santo que chegaram à Baixada.
“Quem deu início ao candomblé aqui na Baixada foi
Joãozinho da Goméia. Mas já tinha candomblé no Rio de Janeiro,
tinha o de Brancolé, o de João Allabá e o de João Abedé na cidade, na
Barão de São Félix, na Central do Brasil..., no bairro da Saúde.
Depois de Joãozinho veio meu pai Cristóvão Lopes dos Anjos...
Siriaco...”
Nessa oportunidade, ele nos falou sobre o preconceito que cerca o candomblé e disseque o candomblé é uma especialidade das mulheres contra os homens.
“Candomblé na realidade é de homem e não de
mulher, na África a alaó e babalaó e os filhos da casa são ligados ao
orixá do marido”.

Segundo ele, as mulheres no Brasil tomaram conta do candomblé.

“Elas vieram com o mais velho Iyanossô e Iyakalá,
com Babá Detá, quando Babá Detá morreu, elas tomaram conta e
não deixaram mais os homens sentar”.

Entre os nomes de zeladores homens citados pelo senhor Valdemiro, falou sobre o tio Bomboxé que é um dos fundadores do candomblé no Brasil, o avô de dona Regina Bomboxé, que é uma importante zeladora de santo na Baixada Fluminense. Dona Regina Bomboxé tem casa no bairro Eldorado em Duque de Caxias. Infelizmente não tivemos ainda uma oportunidade de conversar com ela. O senhor Valdemiro nos falou sobre o pai de dona Regina, o qual se chamava Benzinho. Segundo ele, ela entende de candomblé como ninguém. No final de nossa entrevista, o senhor Valdemiro ainda nos falou sobre as nações que estão presentes na Baixada Fluminense.
”Kêtu só pode vim dos Gantois, Engenho Velho, São
Gonçalo, Olga do Alaketu e minha mãe Regina. Qualquer outra
casa de Kêtu só pode ter saído de uma dessas casas. Jeje tem que vir
do Bogum e da Cachoeira. Bogum é Bahia e Cachoeira é de
cachoeiro. Angola tem que vir de Mariquinha Lembar, Maria
Neném, Bernardino, que era filho de Siriaco, que tinha casa em
Villar dos Telles. Efon veio com Cristóvão Lopes dos Anjos”.

Seu Valdemiro nos disse que conheceu pessoalmente esses importantes zeladores de santo, também nos relatou ser o primeiro xangô da nação de Efon. Quando perguntei sobre o presente e o futuro do candomblé na Baixada Fluminense, nos respondeu assim:

“O candomblé vai progredir certo ou errado.
Tem casa que eu olho, torto, vejo torto e deixo.
Está cada vez pior.
Vou te dizer uma coisa, - quanto mais marmoteiro, mais cresce.
Agora, a verdade não se escurece”.

Nossa entrevista com o senhor Valdemiro Baiano poderia ter durado mais tempo, mas os compromissos que ele ainda tinha a cumprir não nos permitiram continuar. No entanto, devo ressaltar que essa oportunidade foi muito proveitosa. Ele nos passou informações importantes sobre o candomblé. Pode-se perceber que se trata de uma pessoa muito especial nesse universo. Um zelador de santo raro, com profundo conhecimento sobre a religião. O senhor Valdemiro, sem sombra de dúvida, pertence a um grupo seleto de sacerdotes espirituais que cuidam das tradições e do desenvolvimento do candomblé no Brasil.

BIBLIOGRAFIA

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ROCHA, A. M. Os candomblés antigos do Rio de Janeiro. A nação Kêtu: origens, ritos e crenças.
Faculdades da Cidade -Top Books, 1994.
SANTOS, J. E. Os Nagô e a morte Pàde, Asesê e o culto Egun na Bahia. Coleção Mestrado/4.
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SOUZA, Marlúcia Santos., & PIRES, Junior. Roberto. Terra de muitas águas. Texto 05, 1996.
VERGER, P. F. Orixás: Deuses Iorubas na África e no novo Mundo. Editora Corrupio, 1981.